quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Ter ou não ter namorado‏

Ter ou não ter namorado? - Carlos Drummond de Andrade


Namorado: Ter ou não ter, é uma questão.

Quem nao tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo.

Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namoradode

verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, de saliva,

lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia.

Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixao é fácil.

Mas namorado, mesmo, é muito difícil.

Namorado nao precisa ser o mais bonito, mas aquele a quem se quer

proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio e

quase desmaia pedindo proteção.

A proteção dele nao precisa ser parruda, decidida, ou bandoleira:

basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.

Quem nao tem namorado não é quem não tem um amor:

é quem não sabe o gosto de namorar.

Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois

amantes, mesmo assim pode não ter namorado.

Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema sessão das duas,

medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho.

Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade

de virar sorvete ou lagartixa e quem ama sem alegria. Não tem namorado

quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade.

Namorar é fazer pactos com a felicidade ainda que rápida, escondida,

fugidia ou impossível de durar.

Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas; de carinho

escondido na hora que passa o filme; de flor catada no muro e entregue

de repente;

de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque lida

bem devagar;

de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada;

de ânsia de viajar junto para a Escócia ou mesmo de metrô, bonde,

nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário.

Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado, fazer sesta

abraçado, fazer compra junto.

Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar

horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele,

abobalhados de alegria pela lucidez do amor.

Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e a do amado e

sai com ela para parques, fliperamas, beira d'água, show do Milton

Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical na Metro.

Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica

livros, quem não recorta artigos, quem não chateia com o fato de o seu

bem ser paquerado.

Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir; quem

curte sem aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de

ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia de

sol em plena praia cheia de rivais.

Não tem namorado quem ama sem se dedicar; quem namora sem brincar;

quem vive cheio de obrigaçoes; quem faz sexo sem esperar o outro ir

junto com ele.

Não tem namorado quem confunde solidão com ficar sozinho.

Nao tem namorado quem nao fala sozinho, nao ri de si mesmo e quem tem

medo de ser afetivo.

Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e

você vive pesando duzentos quilos de grilos e medos,

ponha a saia mais leve, aquela de chita e passeie de mãos dadas com o ar.

Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves

fricções de esperança.

De alma escovada e coraçao estouvado, saia do quintal desi mesmo e

descubra o próprio jardim.

Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela.

Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada.

Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu

descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola

falante a dizer frases sutis e palavras de galanteria.

Se você não tem namorado é porque ainda nao enlouqueceu aquele

pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz

sentido. Enlou-cresça